quinta-feira, novembro 18, 2010

Movimento dos Barcos


Desta vez, mágoa nos cortou a voz:
Extenuados, desembarcamos do sonho
Como se voltássemos de uma
Longa e maravilhosa viagem!

Atônitos, sentidos ainda atordoados,
Nem sequer colocamos as malas
No chão para o último abraço;
Apenas um leve beijo de despedida —,

Um nada, perto de tudo que
Juntos vivemos nesses meses!
Demos as costas um para o outro,
E, letárgicos, apenas caminhamos

Ainda sem saber como serão os dias,
Sem a presença mágica de um no outro!
E sem conseguir olhar para trás,
Caminhamos lentamente pelo cais.

O peito aperta, sufoca, mas o que fazer?! 
Vamos em frente, apenas.
Porém, os sentimentos que experimentamos,
Não podem mais ser recolhidos,

Passaram a fazer parte de nossa essência.
Assim, forçosamente continuaremos,
Ainda por um bom tempo,
A carregar fragmentos um do outro.

Mas agora, enquanto caminhamos,
De real, e por um breve instante,
Só o movimento dos barcos,
Como disse o poeta, o eterno movimento!

E nós, na distância desse cais infinito,
Nos apartando, imagens sumindo, sumindo...
Até nos perdermos por entre
As gentes e as coisas da vida outra vez.

[Para Ana Lucia, em algum dia de 1997]

quinta-feira, setembro 23, 2010

Sussurros do Claustro



Ela vem pela frieza dos corredores
Compridos e silenciosos do hospital.
Ouço o suave farfalhar de suas vestes;
Seus pezinhos pequenos e delicados,

Escondem-se pudicamente
Em sapatinhos pretos e fechados.
A etérea figura aproxima-se...
Caminha na minha direção,

E trescala uma suave fragrância
De uma bem guardada castidade;
Ela tem no rosto o ar angelical
Da mais casta e límpida feição.

As suas mãos, de unhas curtas,
Quase translúcidas,
Afilam-se na delicadeza
Que só pode vir de tantas preces...

Olha-me... olhos longos,
Porém sem muita vida;
Penso em segredos ocultos
Atrás do biombo deste olhar...

Embevecido, demoro em seus olhos
O meu olhar interrogante;
Ela se agita, mas sente e aquiesce:
O seu olhar oblíquo a denuncia...

E na quase rarefação do ar,
Estabelece-se um breve
Quê de mútua ternura,
Nesse lapso, os dois fomos um!

Mas logo o recato impõe-se
E prega-lhe os olhos no chão.
De pronto, ela se recobra
Daquele hiato em seu caminho,

E a sua pulsação já retorna
À sua habitual normalidade,
Ao êxtase das preces elevadas
Entre as frias e altas paredes...


Ela caminha sem pressa,
Vai para o fundo do corredor;
Os meus olhos a acompanham
Fixados nela com a força de ímãs,

Vejo sua figura que a distância
Torna cada vez menor,
E agarro-me na vã esperança
De que ela os sinta em seu corpo.

Enquanto ela se afasta,
Sonho impossibilidades;
O Cânticos dos Cânticos...
Ela deve ter lido!

E agora?... Será o claustro,
O purgatório do quase-pecado,
De não ela ter sustentado
Os meus olhos nos seus olhos?

De quantas preces precisará
Para esquecer aquele breve hiato?
Será que sonhará comigo?
Eu já sonho com ela...

[Penas do Desterro, 2/12/97]