quinta-feira, setembro 23, 2010

Sussurros do Claustro



Ela vem pela frieza dos corredores
Compridos e silenciosos do hospital.
Ouço o suave farfalhar de suas vestes;
Seus pezinhos pequenos e delicados,

Escondem-se pudicamente
Em sapatinhos pretos e fechados.
A etérea figura aproxima-se...
Caminha na minha direção,

E trescala uma suave fragrância
De uma bem guardada castidade;
Ela tem no rosto o ar angelical
Da mais casta e límpida feição.

As suas mãos, de unhas curtas,
Quase translúcidas,
Afilam-se na delicadeza
Que só pode vir de tantas preces...

Olha-me... olhos longos,
Porém sem muita vida;
Penso em segredos ocultos
Atrás do biombo deste olhar...

Embevecido, demoro em seus olhos
O meu olhar interrogante;
Ela se agita, mas sente e aquiesce:
O seu olhar oblíquo a denuncia...

E na quase rarefação do ar,
Estabelece-se um breve
Quê de mútua ternura,
Nesse lapso, os dois fomos um!

Mas logo o recato impõe-se
E prega-lhe os olhos no chão.
De pronto, ela se recobra
Daquele hiato em seu caminho,

E a sua pulsação já retorna
À sua habitual normalidade,
Ao êxtase das preces elevadas
Entre as frias e altas paredes...


Ela caminha sem pressa,
Vai para o fundo do corredor;
Os meus olhos a acompanham
Fixados nela com a força de ímãs,

Vejo sua figura que a distância
Torna cada vez menor,
E agarro-me na vã esperança
De que ela os sinta em seu corpo.

Enquanto ela se afasta,
Sonho impossibilidades;
O Cânticos dos Cânticos...
Ela deve ter lido!

E agora?... Será o claustro,
O purgatório do quase-pecado,
De não ela ter sustentado
Os meus olhos nos seus olhos?

De quantas preces precisará
Para esquecer aquele breve hiato?
Será que sonhará comigo?
Eu já sonho com ela...

[Penas do Desterro, 2/12/97]

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